1. Questões e
constatações
Este paper é um
resumo de uma investigação da forma que o Punk é tratado na Banda Desenhada
portuguesa e o que conta a Banda Desenhada portuguesa sobre o Punk,
numa base de testemunho pessoal, de escrita empírica e com uma investigação
sobre os acervos pessoais e públicos (sobretudo no da Bedeteca de Lisboa). A investigação
será publicada na íntegra num livro sob o título “Punk Comix : Banda Desenhada
e Punk em Portugal”.
Serve o artigo como um documento de referência para quem
quiser pegar na BD para trabalhar em assuntos relacionados com o Punk, culturas
urbanas, música, cultura Do-It-Yourself (DIY), artes gráficas e editoriais. A
cultura da BD sofre de reconhecimento social e institucional, sempre
relacionada como um produto de massas e de preferência para as camadas
infanto-juvenis. Vista como uma “arte freak” pelo uso simultâneo de texto e de
imagem, costuma irritar quem quer coisas bem comportadas e estanques que se
possam colocar numa gaveta literária ou numa visual. É justamente este estatuto
híbrido que a torna bastante interessante para quem precisa de imagens ou
documentos textuais em alguma investigação sobre uma cultura, como a da KISMIF
sobre o punk.
Apesar dos bravos e originais inícios, a BD portuguesa tem reduzida
produção por falta de investimento das editoras, seja em BD comercial ou “de autor”.
Pior é constatar que são poucas as obras que nos contam sobre Portugal e as
suas gentes, mesmo quando mascarada em autoficções ou ficções. Pode-se culpar o
isolamento do Fascismo e a geografia periférica para essa pobreza de conteúdos;
mas mesmo depois do 25 de Abril até hoje ainda são poucas as obras ligadas à “reportagem”,
“jornalismo”, “crónica”, “diário de viagem” ou “autobiografia”.
Para além disso há pouca regularidade de produção de cada
autor para se conseguir manter um contínuo de análise da evolução de um tema específico.
Há obras que saltam no tempo – como o caso de Arlindo fagundes que fez dois
álbuns de BD separados por 17 anos! - e não há diálogo entre obras e autores.
Para ter um quadro mais completo sobre a “BD punk” é preciso ir buscar mais
fontes, seja a BDs de outros temas, seja à ilustração ou ainda ao meio
editorial independente.
Dada a estas limitações gerais até é bastante fácil apanhar
“toda” a produção feita em volta do Punk na BD portuguesa e felizmente, através
do acervo da Bedeteca de Lisboa consegue-se aceder a quase todas as edições, mesmo
as underground, para se poder trabalhar neste tema – ou qualquer outro.
Resta chamar a atenção que durante esta investigação levantaram-se
questões que alguém deveria estudar e responder, sobre a importância da BD na
construção da cultura Punk. A começar internacionalmente no berço do Punk com a
revista nova-iorquina Punk Magazine (1976/79) de John Holmstrom que parece mais uma
revista de BD “underground” do que uma revista de música. Activa entre 1975 e
1979, a revista terá um impacto na comunidade de Nova Iorque, solidificando o
termo “punk” (especialmente quando um número foi enviado como material de
imprensa na promoção do disco de esteia dos Ramones) e mais tarde influenciando
várias outras publicações pelo planeta fora, sendo um catalisador para inúmeros
fanzines punk que surgiram como o Snifin’Glue
de Londres.
Em Portugal, temos o caso da loja Mundo da Banda Desenhada (mais tarde Op) que entre 1977 e 1987 era um importante ponto de encontro frequentado
por punks e boémios lisboetas; e há também o caso levantado por Paula Guerra,
Pedro Quintela e Júlio Dolbeth no catálogo God
Save The Portuguese Fanzines (2014) sobre a importância da BD que se
encontrava no primeiro fanzine punk do Porto, Cadáver Esquisito (1986).
2. Existem obras que tratam
sobre o punk em Portugal?
Surpreendentemente, apesar da “miséria” da produção
portuguesa, encontram-se obras curiosas e válidas para estudar o Punk em
Portugal. Elas existem e de várias formas, havendo até livros monográficos
dedicados exclusivamente ao tema.
Apesar de haver umas figuras ou referências ao punk desde 1979,
tratavam-nas sem dar importância e/ou fora de contexto, como os punks que
apareciam na Iª Guerra Mundial da série O Espião Acácio de Fernando Relvas na revista Tintin.
O que podermos chamar de personagem com protagonismo será
outra vez pelas mãos de Relvas em 1983 e desta vez com personagens femininas -
algo de espantar num meio machista como o da BD e do punk! Sabina e Sangue
Violeta são as personagens/BDs que aparecem no semanário Se7e.
Depois disso os punks vão desaparecendo face a outras subculturas que nascem ou
crescem nas últimas décadas do século XX, servindo apenas de “mobiliário
urbano”. Voltam no início deste milénio com a entrada da Autobiografia na BD
portuguesa em que são tratados menos como estereótipos mas como “humanos” –
criticados, interrogados e a testemunharem factos reais.
Há uma proeminência de histórias curtas com/sobre punks porque
apareciam em publicações “precárias” (como fanzines) ou efémeras como “gags” de
páginas de periódicos – as BDs de Nuno
Saraiva e o seu Zé Inocêncio. Na
maior parte das BDs o papel do punk é quase sempre secundário. São em BDs longas
que ganham protagonismo como nas BDs de Relvas, 88 de Nunsky e Punk Redux de João Mascarenhas mas são nas BDs curtas
que se encontra o conteúdo mais documental - autorias de Teresa Câmara Pestana, Marcos Farrajota, José Smith Vargas,…
E se as primeiras BDs com Punks aparecem logo em jornais –
Relvas no Se7e e Diniz Conefrey no Blitz –
a sua presença mediática vai desaparecendo à medida que perde o impacto na cultura
urbana dos anos 90. Essas mesmas BDs voltarão oficialmente com a reedição em
formato livro a partir de 1996, apanhando o “boom” da BD portuguesa dessa época
até aos dias de crise de hoje.
A maioria das BDs sobre Punk aparecem em edições de pequena
tiragem como fanzines e livros auto-editados de Rigo, T.C. Pestana, Associação Chili Com Carne, fanzines de BD (Ritmo,
Epitáfio,
Nuxcuro, Hips!, Mesinha de Cabeceira, KBD e Azul BD3), fanzines punk
(Cadáver
Esquisito, Morte à Censura e LBN Punx Zine) e ainda fanzines punk
de BD: Over-12, Os Positivos e Ezequiel.
3. Que documentação
apresentam essas obras sobre a realidade do punk?
Conforme as preocupações do projecto KISMIF, tentou-se localizar
tópicos que possam ajudar investigadores noutros estudos: o retrato da boémia
ou ambientes ligados à cultura urbana em Portugal, identificação de punks
ligados à música, bandas e concertos, códigos comportamentais e estéticos,
convívio com outras tribos urbanas em especial com a cultura skinhead neo-nazi,
comportamentos sexuais, utilização de drogas, movimento okupa e o “aging”.
Em relação à boémia, a BD portuguesa tem várias obras
que apresentam casos realistas dos sítios que eram frequentado e a respectiva
“fauna”, sobretudo no que diz respeito à capital nos anos 80 e 90 em obras de
Relvas, Ana Cortesão
(importantíssima a sua BD sem título de 1993 reeditada mais tarde no álbum A minha vida é um esgoto para perceber o
cosmopolitismo e a “gentrificação” de Lisboa no final dos 80s), o álbum
colectivo Noites de Vidro (CML; 1991) sobre os sítios nocturnos de Lisboa
e as três BDs do (anti-herói) Ruivo de Diniz Conefrey no Blitz.
Quanto a representação de músicos punks conclui-se
facilmente que João Ribas
(1965-2014) é o super-punk! É o músico mais retratado por gerações diferentes: Relvas
na Sangue Violeta (no Se7e) em 1984 com a banda Kú de Judas; Diniz
Conefrey no jornal Blitz (1992) e por
Afonso Cortez-Pinto e Marcos Farrajota no disco Raridades
(2009) nos tempos de Censurados. Haverá mais bandas portuguesas (e
estrangeiras) representadas não necessariamente punk ou underground até hoje:
Xutos & Pontapés, UHF e Pop Dell’Arte (na colecção BD Pop Rock Português), Crise Total, X-Acto, Albert Fish, Ratos de
Porão entre outros sobretudo em zines.
A BD é excelente para representar códigos comportamentais
e estéticos de tribos urbanas e encontram-se em várias obras já citadas
(Relvas, Rigo, Saraiva, etc…) e mais tarde no primeiro volume da série Loverboy,
de Marte e João Fazenda, os comportamentos globalizados da “cultura
alternativa” marcada pela MTV.
Surpreendente é a presença de skinheads nas BDs, na
maior parte do tempo como figurantes mas também como antagonistas às
personagens principais, sobretudo nos anos 90. A única situação realista com
estes indivíduos é dada pela primeira BD de Ruivo
(de Conefrey) em que regista um jogo parvo e estranho de darem estaladas
uns nos outros. Outras tribos urbanas (rockabillys, dreads, “vanguardas”,
freaks e metaleiros) aparecem noutras BDs em coexistência mais ou menos pacífica.
Violência policial quase nunca é retratada tirando uma referência numa BD de T.C
Pestana num Gambuzine.
Procurou-se por sexo mas não se descobriu nada de
especial tirando o facto que quase toda a sexualidade na BD portuguesa é sobre
um ponto de vista heterossexual mesmo na ”BD punk”. Dentro da ficção há várias
fantasias eróticas envolta do imaginário punk, como demonstra Nunsky em duas
BDs no zine Mesinha de Cabeceira – Inadaptados (1994) e 88 (1997).
Já a droga é quase sinónimo de Punk, e por isso “ela”
(a heroína) está-lhe sempre associada, em modo de ficção, humor ou fantasia. O
caso mais real será a excelente BD de Pestana - O meu vizinho no Gambuzine de 2008 - que conta uma
história sobre a sua experiência pessoal numa “okupa” em Hannover, em 1989, com
toxicodependentes.
É suposto que as “okupas” portuguesas feitas por
punks aconteceram só nos anos 90 e talvez por isso que demoram a aparecer nas
BDs. Só neste milénio é que existem esses registos, mesmo que se reportem a
1989 como a BD de Pestana que apesar de se passar na Alemanha com as devidas
distâncias socioeconómicas reflecte bem o espírito da altura. Há mais dois
registos sobre “okupas” portuguesas, uma no livro Boring Europa (Chili Com
Carne; 2011) sobre a destruição da S.P.C.C., provavelmente a última “okupa” em
Lisboa, e José Smith Vargas sobre a
expulsão e emparedamento do edifício onde decorria o projecto social auto-suficiente
e autogerido Es.Col.A no Alto da
Fontinha, Porto – editada na revista Buraco
(2012).
Sobre o “aging” a situação complica-se porque não há
uma obra como Locas do
norte-americano Jaime Hernandez em Portugal (sobre este autor, ver anexo 1).
Por isso é preciso saltitar por registos que ofereçam situações idênticas,
sendo que a escolha será sobre autores que usem a “autobiografia” como
matéria-prima na sua obra, como Marcos Farrajota, Marco Mendes e Teresa Câmara Pestana. É preciso fazer pontes entre eles
para ter uma vista panorâmica do que possa ser a vida de criativos em Portugal
ligados à cultura DIY. Curiosamente até há uma crítica a um autor quando Pestana
ataca Farrajota por ser um “punk de escritório (…) quase honesto”, num número
do Gambuzine. Em contraponto há as
BDs que Farrajota fez em 1995, 2001 e 2011 em vários zines sobre o “ponto da
situação” da sua vida, sobretudo a profissional. E Mendes tem feito
autobiografia desde 2007 apanhando temas como a boémia do Porto, o trabalho
precário e miséria social da crise portuguesa que assaltou o século XXI. Estas
duas últimas situações são preocupações de uma classe “mérdia” (usando uma
expressão de Pestana) mas sendo são dos poucos testemunhos sobre percursos de
vida que se pode fazer analogias aos modos de vida das subculturas em Portugal.
Por fim, têm sido colocadas questões “existenciais” à cultura punk e
underground por Farrajota no zine brasileiro Prego (2011), no livrinho
do DVD do 15º aniversário do Festival de
Metal de Barroselas (2011) e na revista eslovena Stripburger #62 (2013).
4. De que forma o
punk é tratado nas BDs?
Maltratado, claro! Sobretudo no campo da ficção e fantasia,
alinhado à cultura oficial, o Punk aparece representado como um pequeno
criminoso de rua, marginal ou toxicodependente, geralmente identificado com um
moicano. Mesmo as personagens principais de obras sobre punks elas parecem
pouco “humanas” – o que Violeta de
Relvas nos diz? Diz tanto como o emblemático slogan “No Future”. Pode-se
afirmar que não há personagens punks interessantes! Também não se detectou
“anti-heróis” – como os estrangeiros Peter Pank, Tank girl ou Bob Cuspe… E já
agora, sejamos realistas estes três exemplos vieram a Portugal importados de
revistas brasileiras! Quase não há representações de punks de BDs estrangeiras
traduzidas em Portugal – encontrei uma BD de Serge Clerc no Jornal da B.D. (1985) e pouco mais… Só
isto revela a (falta de) dinâmica do mercado nacional.
Só no final dos 90 e neste milénio é que os punks são tratados
como “pessoas” (Pestana, Boring Europa,
Farrajota), devido a duas razões. Primeiro, porque o punk em Portugal começou
como algo fútil, uma tribo urbana a fugir à modorra pós-PREC, e só nos anos 90
é que se foi metamorfoseando num circuito realmente underground com estruturas
e modos de vida militantes; e em segundo, só nos anos 90 é que a BD portuguesa
acedeu aos novos paradigmas de criação da “BD Alternativa” norte-americana e
europeia, explorando o género “documental” até então inexistente ou esquecido –
estranhamente quando os pioneiros Rafael Bordalo Pinheiro e Carlos Botelho
fartaram-se de fazer Crónica!
5. Existem autores
que foram / são punks?
A discussão neste ponto é complicada porque tinha-se de
identificar autores “punks” no meio de uma enorme lista de autores de BD em
Portugal ligados à cultura DIY. Esta cultura DIY na BD nacional justifica-se
pela ausência de editoras interessadas em publicar autores portugueses, com
trabalhos comerciais ou não. Fazer um levantamento dos artistas que publicaram
os seus fanzines ou criaram estruturas independentes de edição mostra um
verdadeiro “movimento” que raramente se pode ver noutras áreas criativas neste
“país onde não se passa nada”. Mais do que haver ou ter havido autores punks, o
que houve foi autores que fazem “flirts” ao Punk e a cultura DIY, uns com mais
militância que outros, raramente colocando um moicano na cabeça.
Em teoria, o punk não trouxe movimentos para a BD, o
estudioso Domingos Isabelinho no texto do catálogo Tinta nos Nervos até duvida que se possa falar em “ismos” na BD. E
se pudermos afirmar que a cena da BD é tendencialmente conservadora devido ao
seu passado infanto-juvenil e que a cena punk é essencialmente politizada, quem
vive num dos mundos será impossível viver no outro. São raros os casos de
intersecção mesmo a nível internacional. Foram escolhidos quatro casos para
criar modelos de identificação de autores punk (ver anexo 1), a saber:
1) BD de
género dentro de um nicho (Ganes)
2) BD com
aspecto tradicional que retrata uma cena (Hernandez)
3) BD
autobiográfica na cena punk (Konture)
4) BD com um
estilo gráfico surgido da acção punk (Panter)
Tentando usar modelos internacionais para identificar “autores
punk” até se encontra situações idênticas com as devidas longas distâncias. O
caso do britânico Simon Gane, o “king of punk comics”, ou seja, uma “BD de
género dentro de um nicho de mercado” poderá ser encontrado em Portugal através
dos autores Marcelão e Valter de Matos que publicaram ou ainda
publicam, respectivamente, os fanzines Over-12 e Os Positivos. Circunscritos
ao reduzido circuito do Hardcore e Straight Edge português torna-os quase invisíveis
ao “olho público” comparando com a “fama” de Gane no underground internacional.
No entanto neste milénio, o underground português tem-se profissionalizado e
embora as suas BDs não reflictam directamente uma vivência “punk”, encontramos
os nomes de André Coelho e José
Smith Vargas reconhecidos mais pelo trabalho gráfico para cartazes, capas de
discos, skates, t-shirts do mundo da música underground ao nível internacional.
No caso de Jaime Hernandez, ou uma “BD com aspecto
tradicional que retrata uma cena” já foi referido os casos de Relvas, Conefrey,
Loverboy e Mascarenhas que tratam
sobretudo de situações lisboetas de boémia com alguns punks mas de longe
apanham o fenómeno de “aging” ou oferecem vozes para uma minoria cultural.
No caso do francês Mattt Konture, ou “BD autobiográfica na
cena punk”, há claramente T.C. Pestana que se enquadra num estilo de vida
underground e em contacto profundo com esta cultura.
E para equiparar ao texano Gary Panter (ou “BD com estilo
gráfico surgido da acção punk”) parece impossível fazer essa correlação e
salta-se para a última questão.
6. Havendo autores
punks, que estilos gráficos usam? Haverá um estilo gráfico punk português?
Os estilos gráficos das BDs portuguesas são deveras
personalizados devido à falta de massa crítica de produção, ao contrário dos
facilmente identificáveis estilos de países com grandes mercados e indústrias
culturais como o Japão (o “estilo Manga”), os EUA (o género “Super-Heróis”) e
os “grandes narizes” e a “linha clara” da BD franco-belga. Em Portugal, cada
autor, underground ou comercial, desenvolve o seu estilo gráfico único e que
poucos imitam porque cada estilo reflecte um percurso irrepetível de carreira
profissional, que não pode ser continuado por outros.
Aumentando o leque de observação para os autores de BD que
fizeram grafismos para bandas / discos / cartazes punk também não se conseguem
deslumbrar uma linha gráfica única porque também na música portuguesa nos anos
80 e 90 se faziam poucos discos de bandas nacionais – como referido, só o
aumento de produção de discos neste milénio é que criou um nicho para autores
como Coelho ou Vargas.
No grafismo Punk, consegue-se identificar algumas
características gerais, a maior parte passiveis com origens noutras
denominações artísticas como no Dada, Art Brut, Geração Beat e Situacionismo. O
Punk e a música Industrial irão exponenciar muitas dessas características
transformando-as em práticas comuns na produção criativa popular. As quatro
características possíveis de identificar grafismo “punk” serão:
1) O
“brutismo”, ou autores sem formação que criam sem pudor ou interesse económico,
tal como o termo “Art Brut” cunhado por Jean Dubuffet;
2) Iconoclastia,
ou a alteração de imagens, o uso da colagem, os “detournement” Situacionistas, vindo
dos Dadas e “ready-mades”;
3) O humor
como confronto político e social, inteligente e contundente (como Dead Kennedys
ou os Crass nas capas de discos) ou apenas grosseiro e canalha (como mil bandas
Drunk / Street Punk fazem com desenhos feitos na tasca mais perto de si);
4) O DIY,
que significa na realidade Independência ou Liberdade, em que o autor prefere
fazer ele próprio tudo, dominar os meios de produção invés de entregar um
trabalho a alguém que o poderá arruinar ou alterar a forma ou o conteúdo.
Tentou-se verificar se existem alguns traços comuns entre a
produção nacional com as características básicas da estética Punk, chega-se à
conclusão que a “iconoclastia” e o “humor” não são características que se
possam assinalar por razões equidistantes, no primeiro caso porque é raro encontrar
colagem na BD ou uso exclusivo dessa técnica, e no segundo, o impacto da
revista brasileira Chiclete Com Banana
(onde aparecia o Bob Cuspe) do Angeli
ultrapassa o “guetho” punk e encontra-se em várias produções humorísticas
generalistas portuguesas de BD. Também se deve pensar que o humor escatológico
e tonto é quase universal nas produções punk para ser pensado como um exclusivo
nacional.
Já a “art brut” (ou sujidade ou espontaneidade do desenho) e
o “DIY” (que não é um valor estético em si) são as características que unem uma
série de autores de BD, que tenham ou não tratado de assuntos punk, desde os
anos 70. Em parte deve-se ao advento das tecnologias baratas de reprodução (as
fotocopiadoras) que permitirem cada um publicar sem pedir licença a ninguém e
explorar as limitações dessas tecnologias no tratamento das suas imagens, de
forma que esses processos ajudaram os seus estilos a evoluírem.
Será também o desenvolvimento tecnológico dos meios digitais
(a começar pelo processamento de texto até ao Photoshop) que irão limpar e
nivelar os grafismos underground até um profissionalismo que se confunde com o
da cultura oficial, a partir dos meados dos anos 90.
Por fim, pegando na questão da produção de fanzines e
auto-edição, surge a dúvida da “galinha ou o ovo” na BD portuguesa. Olhando
para grande produção de fanzines portugueses que data ainda antes do 25 de
Abril de 1974 fica-se a pensar se a influência do Punk na BD portuguesa não
passa de um fenómeno paralelo, um bastardo de algo maior que estava acontecer.
Uma dúvida que merece uma investigação específica.
A produção portuguesa de BD sustenta-se na premissa da
produção amadora, militante e DIY para existir e evoluir ao longo dos tempos,
especialmente depois do 25 de Abril quando o profissionalismo tornou-se cada
vez mais raro – essa raridade já vinha dos anos 60 em que deixou de haver um
proteccionismo de Estado para este mercado. São poucas as séries publicadas em
jornais ou revistas e raramente existem encomendas para livros. Quase toda a
produção pós-25 de Abril é feita de auto-edições ou editoras que são empresas
de pequena dimensão. Logo o que se podia dizer com muita excitação é que a BD
portuguesa é Punk!