domingo, 12 de outubro de 2014

comix remix extra

Enquanto ia escrevendo o artigo Comix Remix iam aparecendo sempre novas situações ou velhas lembranças sobterradas, (re)descobertas que impressionavam e que poderiam ter entrado no artigo com o perigo de o transformar numa listagem, afinal são mais curiosidades que obras seminais mas gostaria de as partilhar aqui seja como for... 


Estive em Maio no Porto, na feira da ladra mais podre do país. Chama-se Vandoma e cada vez é maior e com mais tralha. Foi lá que descobri Grande Música Negra (RÉS; 1975), quinto livro de Jorge Lima Barreto. Um livrinho de capa preta que fala de Jazz à pedante que merece aquele tema dos Naked City: Jazz snob eat shit. Mas seria injusto também não escrever que a pespectiva é sempre chamar atenção ao sofrimento dos negros nos EUA. O que me motivou a comprar o livro não foi para ler sobre Jazz mas porque custava um euro e nas primeiras páginas do livro Barreto faz um "detournement" sobre uma BD do Tarzan, ou seja, mudou o texto original por outro completamente anti-imperialista, anti-colonialista e bastante divertido, como se espera desta técnica situacionista. Foi curioso encontrar isto a poucos dias de lançar o novo livro do Rui Eduardo Paes, o "a" maiúsculo com um círculo à volta. Barreto ousou usar uma BD para servir de chamariz visual, ou melhor ainda, como um manifesto contra o racismo e a exploração capitalista sem ser escrito apenas como texto simples. Em Portugal é tão raro usar a ilustração nos livros - visto como algo menor - que realmente este livro surpreende pela ousadia dupla, de pegar em desenho / BD e pelo "detournement".



Talvez nos anos 70 os intelectuais fossem menos parvos do que são hoje... No mesmo ano é editado em forma de livro comercial Conto de Natal para crianças (Forja) do poeta surrealista Mário Henrique Leiria, todo ele é um livro ilustrado e usando ideias de "detournement" do Situacionismo (e não do Surrealismo) porque é uma obra política. Realizado em Dezembro de 1972 como oferta a um amigo, este livro junta um texto inocente escrito com uma caligrafia de criança com as imagens mais horríveis da altura: mutilados de guerra, massacres e fome, fotografias de políticos fascistas "da altura" (Salazar, Nixon, Pinochet),... Uma obra de choque visual usando o paradoxo do texto bonito com imagens feias. Surgiu isto trocando outro livro de Leiria, Casos de Direito Galático, com um sócio da Chili Com Carne encontrado sem querer no mundo dos leilões virtuais. O mundo também é pequeno na Internet!



Esta página foi publicada no jornal Coice de Mula #4 (2002) e é de autoria de Alex Gaspar (1965-2010). O jornal existiu em oito números entre 1999 e 2007 "para a despoluição da arte contemporânea" sendo que o autor sempre colaborou com algumas BDs, algumas vezes assinando Chiquinho das Perdizes ou Frank Cinatra, creio... Esta será a única vez que assume o seu nome verdadeiro e pela reprodução a preto e branco do jornal ia jurar que o autor colou imagens alheias dos fachos do Batman e Tintim. Mais tarde esta BD seria republicada a cores num fanzine do Geraldes Lino dedicado a "Efemérides" (e sim, esse é o nome do fanzine) e aí topa-se que na realidade o autor ou fez imitação à vista ou decalcou as imagens. Não deixa de ser um "comix-remix" de alguma forma sendo que a BD fala por si...


Entretanto o camarada Lam enviou-me este link zdnd.tumblr.com, terra do não-direito (de autor) mas também do francês Yvang que desenvolve um trabalho incrível de colagem fractal de BD popular bem Pop, colorida, psicadélica vintage,... E poucos dias recebia a newsletter do Le Dernier Cri a anunciar a exposição e catálogo Fotoshok (2013) dedicada a montagens, onde vamos ter os cirurgicos Fredox ou Sekitani, o punk-velho Winston Smith (Dead Kennedys, Alternative Tentacles,...), o muy digital Dave 2000 entre outros cromos... tudo à mistura e sem créditos, uma javardice à LDC, um gajo tem de conhecer os trabalhos da malta para os poder identificar!



Por fim, na Terça FEIA apanhei um livrinho A6 editado pelo Samba, intitulado Sem/ registo (2012) de um tal Pedro Ivo Verçosa... É uma BD inteiramente feita de colagens e sem palavras. Um livro simples com um relato simples de uma bola humana que faz metamorfoses várias até voltar tudo ao mesmo. Plasticamente é bonito e vê-se que o autor domina a narrativa e composições de páginas da BD.


Outro caso deste espírito dos tempos do Comix Remix, foi o lançamento do livro Le Carnet Rouge (Soleil; 2007) do dinamarquês Teddy Kristiansen para o mercado norte-americano. O livro sofreu o milagre da duplicação e ficou um "split-álbum": The Red Diary / The Re[a]d Diary (Image; 2012). O que aconteceu é que Steven T. Seagle (argumentista ianque que colabora com Kristiansen nos super-heróis) não sabendo um pingo de francês ou dinamarquês "traduziu" o livro criando um texto novo para as mesmas imagens - aliás, ele usou a sua técnica de "transliteration", que é "traduzir" palavras de uma língua para o inglês mas pelo o que ela "soa" ou se "parece". O resultado é um texto - uma história - completamente diferente do Le Carnet Rouge. Ambos os contos não são nada de especial, algo de "light" como é típico nos "álbuns franco-belgas", em que a mediocridade de temas são disfarçados pela "bela" arte, que todos reconhecerão Kristiansen como tal, com o seu estilo "impressionista" - talvez por iso é que tem no currículo o facto de ter sido o primeiro europeu a desenhar o Super-Homem. Mas depois de ler a sensação é que não muito a não ser "belos" desenhos. Curiosamente, o texto de Seagle parece ser mais concreto e interessante que o "original"... Foi o Joseph Beuys que disse que a "cópia é melhor que o original"?