quinta-feira, 24 de julho de 1980

Terceira Guerra Mundial

Estava no escritório quando soube do massacre das crianças da escola de Beslan (em 2004), uma colega disse-me que «a 3ª guerra mundial tinha começado mas que ninguém nos tinha avisado».

Imagino que sempre será assim: "estou no escritório e dois aviões batem contra duas torres", "estou no escritório e explode a estação Atocha", "estou no escritório e descobre-se que morreram todos os peixes porque uma fábrica despejou ilegalmente produtos químicos no rio",...

Se as primeiras duas Grandes Guerras foram eurocêntricas, a terceira não o é. É tão pós-moderna como os dias que vivemos: fragmentada e irónica, cosmopolita e mediática, local e escondida, com eventos chocantes vividos até à exaustão para serem ignorados logo a seguir.

Há casos humorísticos (as torres gémeas do 11/9) ou casos dramáticos (como o caso das vítimas em Beslan). Há casos inacreditáveis de lutas locais pelo direito de viver onde sempre se viveu como os sobreviventes de Nova Orleães que nem sabiam que o pior ainda estava para vir depois do furacão quando verificaram que a Câmara da cidade queria destruir as casas para pura especulação imobiliária. Há aldeias a serem destruídas pelos próprios governos que as deviam proteger (como na Coreia do Sul). Há histórias individuais de lutas ainda maiores que a “nação contra nação” como a morte de ciclistas em Nova Iorque em acidentes sem que lei puna os cidadãos automobilistas (porque na América um cidadão de automóvel é melhor que um cidadão biciclista) ou de mulheres a confrontarem-se com o chorudo negócio das Associações do Cancro da Mama mais preocupado com as remunerações dos seus dirigentes do que as vítimas, ou ainda a luta de um puto cujos desenhos foram obscenos num tribunal...

Talvez ninguém nos tenham dito isso mas sim a Guerra já começou, e não na daquela forma popular de cogumelos gigantes vista mil vezes em salas de cinema e BD xunga - essas sempre foram evitadas.

A Terceira Guerra Mundial começou em 1980 quando Seth Tobocman e Peter Kuper decidiram ilustrá-la. Para quem ainda não percebeu ou para quem nunca teve acesso à publicação, falo da revista norte-americana de bd World War 3 Illustrated (44 números + 2 livros "best of") que facilmente é vista como uma “revista de Esquerda” - num país que eliminou a Esquerda nos anos 50. É a única publicação de BD cujo conteúdo é 100% político – não desfazendo da italiana Inguine mas que é recente… Mas mais que política é militante, tanto que tirando Tobocman, Kuper (que defendeu Mike Diana no tribunal), Eric Drooker, Fly (também conhecida pela banda God Is My Co-Pilot), Nicole Schulman, e as colaborações esporádicas de Art Spiegelman e Kyle Baker, muitas vezes as BD’s são de autores desconhecidos, tecnicamente não muito aptos mas sobretudo muito emotivos, relatores de desgraças e bravos combatentes contra injustiças sociais ou lutas monstruosas.

É com os temas de cada número que as características da 3ªGM ganham forma: "unnatural disasters", "neo-cons", "life during wartime", "taking liberties",... Bom, de volta ao trabalho!